quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A Associação de Estudantes da Universidade de Évora, 35 anos depois


Um amável convite para a tomada de posse dos orgãos sociais da Academia que ajudei a fundar, em 1978, fez-me interromper este silêncio "bloguista".
Mas a causa é justa, e após um noite académica, onde pude explicar a alunos e categorizados docentes coisas "singelas", como ver nascer o sol por detrás da Igreja de S. Francisco, em Évora, comer uma bifana no Mercado, ou ver as Ruas de Évora (e a Cidade) a amanhecer, sem gente, mas a cheirar a lavado, deixo-vos com a entrevista que dei ao Jornal UEONLINE, como fundador da dita Associação.
Para memória futura de alguem que não se arrepende dos caminhos que faz.
E paga as consequências...

"PERGUNTAS
1) Em que ano entrou para a Universidade ?
O então Instituto Universitário de Évora (IUE) havia sido criado em 1973, mas, de facto, a actividade lectiva só se iniciaria em 1976/77.
Entretanto, eu e os cerca de 30 alunos que formaram as turmas de Economia e Sociologia, nesse ano lectivo, tinham transitado da Escola Superior de Estudos Económicos e Sociais “Bento de Jesus Caraça”, que existia em Évora, desde 1974, mas cujos alunos foram, após anunciada a sua progressiva extinção, integrados no então IUE, no 2º ano dos citados cursos.
Portanto, entrei para o Ensino Superior em 1975 (Setembro), mas tornei-me aluno da hoje Universidade, em Dezembro de 1976, ingressando, com mais 12 alunos, na Licenciatura em Sociologia, 2º ano, curso diurno.
2) Como era a Universidade desses tempos ?
Em Outubro de 1976, o então IUE tinha dois edifícios (a “Mitra” e um “corredor no Colégio do Espírito Santo – o restante edifício ainda era do Liceu de Évora). Teria , nesse seu início de vida lectiva, cerca de 50 alunos, dos quais mais de metade eram os tais “transferidos” da tal Escola Bento Caraça. “Economia” e “Sociologia” eram os dominantes com turmas diurnas e noturnas.
Não havia residências universitárias, muito menos refeitório (só aconteceu em 1979, julgo) e havia um minúsculo bar, aberto, esse sim, logo em início de 1977. Os nossos “luxos” eram a Reprografia e a Biblioteca.
Havia mais docentes e investigadores do que alunos. Não podemos esquecer que o então IUE acolheu inúmeros professores das Universidades de Angola e Moçambique, que entretanto se tinham tornado países independentes, assim como alguns (seleccionados…) professores da tal Escola Bento Caraça, mormente os ligados á Companhia de Jesus (jesuítas).
3) Como surgiu a ideia de criar a Associação de Estudantes ?
É uma história “épica”, que recordo com orgulho e emoção. Vivíamos tempo de afirmação do regime democrático (o “25 de Abril” tinha sido há menos de 4 anos…) e, a par das clivagens naturais (mais ideológicas que partidárias), havia m grande desejo de participar e confrontar ideias. Recordo, as clivagens eram sobretudo deológicas, ou seja, de visão do Mundo e da Vida.
Os alunos da Universidade de etão, tinham, de acordo com o regulamento da mesma, uma forma de participação a vida académica, através dos Delegados e Turma e de Curso, eleitos pelos alunos respectivos, que articipavam nas Comissões Pedagógicas de Curso, órgãos consultivos onde também inham assento os docentes.
Numa Escola Superior onde faltava aquilo que hoje é básico (refeitório, residências, apoio social em geral), sses temas foram, por diversas vezes, debatidos pelos ditos Delegados de Turma ou Curso. Muitos de nós (apesar de repito, haver poucos alunos), não nos conhecíamos e foi nesse ambiente de “Delegados” que foram surgindo “conversas” sobre a necessidade de termos uma Associação de Estudantes. Estaríamos em Outubro de 1977, se bem me recordo.
Foram feitas algumas iniciativas de “sensibilização”, como uma famosa “açorda”, servida por nós nos corredores do Colégio do Espírito Santo.
Num tempo de aprendizagem da Democracia, e ainda bem, tínhamos grandes preocupações em que as ideias saíssem das bases, ou seja, dos alunos. Aí os tais Delegados, até porque eleitos pelos alunos, sentiam-se com legitimidade para avançar na criação da Associação. Eu era um desses Delegados.
Assim, numa reunião para a qual foram convidados todos os Delegados, os presentes decidem convocar uma Reunião Geral de Alunos que, ao que me recordo, teve sessão inicial em Novembro de 1977. A ordem de trabalho era simples e concisa : analisar a situação social e académica dos alunos e decidir sobre como se organizarem. Eu, o João Pires, o Telmo Morna e a Olívia Ramos(julgo não estar a errar), fomos eleitos para ser a Mesa da RGA e eu para presidir aos trabalhos. A RGA foi longa, tendo várias sessões em vários dias.
4- Como foi o processo de implementação ?
Foi rápido e participado. Da dita RGA saiu uma decisão histórica : criar uma Associação de Estudantes. Mas, se havia que definir os objectivos, a missão e a vocação da futura Associação, os alunos deveriam, se bem o entendessem, apresentar projectos de estatutos, a serem votados em escrutínio secreto, e o projecto de estatutos vencedor seria aquele que seria objecto da escritura de constituição. Feita a escritura, então convocar-se-iam eleições para os corpos
sociais.
Eu, como moderador da dita Mesa da RGA “permanente”, fiquei encarregado de conduzir o processo.
Foram apresentados dois projectos de estatutos. A clivagem era evidente : um deles, em cuja redacção participei, era defendido por um abrangente leque de gente de “esquerda”, desde os próximos do PS até á então UDP, passando por pessoas como eu, da esquerda ligada aos meios católicos. Aqui “reinavam” os alunos de Sociologia e Economia. Apesar de ideologicamente conotados, só 2 tinham filiação partidária. O outro projecto era classificado, por nós, como o dos “conservadores”, que reunia claras simpatias junto da Reitoria, por ser tido como mais “moderado”.
O projecto vencedor foi o tido como o da “esquerda”, numa votação extremamente participada, precedida de vários e acesos debates, no seio da tal RGA “permanente”.
Fizemos a escritura em 23 de Maio de 1978.
Tenho orgulho de constar como um dos outorgantes.
5 – A Reitoria da altura apadrinhou e apoiou ?
Eram tempos diferentes.
O Reitor Ário Lobo de Azevedo encarou a derrota do projecto de estatutos defendido pelos ditos “conservadores” quase como uma ofensa pessoal. Quando, logo após a escritura, são feitas as primeiras eleições para os corpos sociais, esse grupo nem se candidata.
O “incómodo” da Reitoria era evidente e caricato : nos documentos oficiais da Universidade (Notas de Imprensa, etc), as nossas iniciativas eram difundidas como sendo de “um grupo de Alunos” e, nunca, da Associação de Estudantes. Chegou-se ao ponto de nos ter sido cedida uma Casa, na Rua de Machede (que foi a primeira Sede da associação), pela Reitoria, e no documento de cedência constavam os nomes de cada um de nós, como os “comodatários” e não o da Associação…
“Last but not de least”, os serviços jurídicos da Universidade solicitaram, ao Ministério Público, a extinção da Associação, por inconstitucionalidade dos estatutos! Por isso, em 29 de Janeiro de 1979, tivemos de fazer nova escritura, corrigindo a versão inicial dos Estatutos. Só a partir daí deixámos de ser um “grupo de alunos”.
Portanto, as relações foram sendo sempre tensas.
Éramos tolerados, mas activos e criativos.
7. Como Presidente da Associação, quais foram os primeiros projectos ?
Eu presidi á tal Mesa de RGA de onde saiu a criação da Associação.
Optámos, logo que foram eleitos os corpos sociais, por manter um funcionamento quase que em “plenário de órgãos sociais” : não havia um Presidente, mas uma direcção colectiva mas com responsabilidades divididas; havia um “Núcleo duro”, do qual eu participava, que tinha sempre 3 pessoas, no mínimo, que garantia as funções que estatutariamente cabiam ao Presidente, Vice-Presidente e Tesoureiro : era o António Brito e eu, cujas assinaturas obrigavam juridicamente a Associação, e conforme os assuntos e temas, juntava-se a Margarida Fortio, o Gazimba Simão, o João Barradas, o Mira Nunes, o Xico Sabino, entre outros que me recordo. Enfim, havia uma espécie de “troika” permanente, de composição variada, mas onde eu e o Brito tínhamos de estar, sempre.
Atendendo a que eu tinha fama de conciliador e era tido como pessoa moderada, no seio da Universidade, tornou-se hábito ser eu a ter as relações institucionais e representativas, internas e externas, mais “delicadas”. Daí, quer eu quer o Brito, termos fama de ter sido Presidentes, nome que, como era norma “progressista” da época, nunca nenhum de nós usou. A não ser por obrigação jurídica. Fui, por isso, digamos, um Presidente só por obrigação jurídica e estatutária, no 1º mandato.
Retomando a resposta, os nossos projectos iniciais, no primeiro mandato em que participei, o da fundação, tinham a ver com dar dignidade aos alunos e ao ensino.
Significou dar vida á Universidade, aproximá-la da Cidade, através de iniciativas culturais abrangentes; significou, numa Universidade sem refeitório e com um bar diminuto, termos, na nossa Sede, um Bar, onde até refeições chegaram a ser confeccionadas; chegamos a ter uma livraria e papelaria a funcionar na sede; depois, bater-nos pela qualidade do ensino, num tempo onde alguns cursos mais pareciam um “asilo” de docentes a aguardar a reforma…; sobretudo, como dizíamos, tornar a Universidade “habitável”, ou seja, promover espaços de convívio, encontro, reflexão, para que os alunos sentissem que a Universidade era sua.
Recordo coisas concretas como a Revista “Semente”, os Ciclos de Conferências sobre os temas quentes da época, os torneios desportivos, as recepções aos novos alunos, mas, sobretudo, o ambiente da Sede, verdadeiro refúgio e aconchego para todos nós, numa Universidade que tardava a perceber que os alunos eram a sua razão de existir.
8 – Quanto tempo esteve na Associação de Estudantes ?
Fiz dois mandatos, ou seja, desde a sua criação (Maio de 1978) até que, em Julho de 1980, me licenciei e, logo, deixei de poder ser eleito e ser sócio.
9 – Qual a maior recordação que guarda desses tempo de dirigente associativo ?
Guardo o prazer de ter aprendido como funciona a democracia participada e ter-me tornado adepto dela : eu era um católico (hoje já não sou) de esquerda (hoje ainda sou), sem filiação partidária, mas que se teve de habituar a conviver com todas as “tribos progressistas” da época, desde a esquerda mais radical, á mais social-democrata; aprendi a ser mediador, a construir consensos, mas a ser radical nas causas e convicções. Aprendi a respeitar a diferença, sem prescindir da minha maneira de estar. Aprendi que, no campo das convicções, é bom dormir com a consciência tranquila, mesmo se acordamos sabendo que perdemos algo (ou tudo).
Se tivesse de destacar um facto, recordaria que essa minha faceta conciliadora me fez ser sempre “indigitado”para escrever (e dizer) os discursos para os atos públicos onde íamos e, sobretudo, um episódio onde , numa sessão solene comemorativa do aniversário da Universidade, interpelei o Presidente da República, Ramalho Eanes, sobre porque estava a pactuar com uma cerimónia onde os representantes dos alunos não tinham lugar na mesa….
É evidente que paguei vários preços por tudo isso.
Toda a gente me augurava uma carreira brilhante na Universidade de Évora (fui um dos 3 primerios licenciados do meu Curso e o melhor aluno…), mas quem tinha o poder nunca me “perdoou” que eu, que até era “bom rapaz”, agisse como um “perigoso esquerdista”. E, sobretudo, que não mostrasse o mínimo de arrependimento…
A AE foi uma escola para muitos.
Recordo que desses tempos da Associação, saíram pessoas como o Pinto Sá (hoje Presidente da Câmara de Montemor), o Zé Carlos Zorrinho (que tem tido vários cargos governativos), entre outros.
9 – Que diferenças no Ensino Superior da altura e o atual ?
Hoje o ensino superior tem uma estrutura organizativa, científica e pedagógica totalmente diversa.
Eu tive 5 anos de licenciatura e só 6 anos depois fiz um Mestrado…; sou adepto do chamado “processo de Bolonha”. Desde que não se fique só pela forma, mas que se entenda a sua filosofia.
Na altura, encontrar saídas profissionais, não sendo fácil, era a consequência imediata de se ser “Dr” ou “Engenheiro”, que mais não fosse a dar aulas no ensino básico e secundário, Esta visão da Universidade como um sítio onde se encontrava a “enxada”, tende a ser substituída com o encarar da Escola Superior como um local de produção e difusão de conhecimento.
O que me agrada, embora tenha deixado a carreira docente á quase 10 anos.
O movimento associativo também espelha o tempo actual, de mudanças.
Uma Associação de Estudantes deixou de ser, em exclusivo, o “sindicato dos estudantes” , para ser um parceiro natural de todos os actores da comunidade académica, nas discussões e acções.
10- Lembra-se da primeira Queima das Fitas ?
Começo por uma “declaração de interesses” : sou contra as praxes e critico vários aspectos das chamadas tradições académicas vigentes.
Contudo, vejo as atuais “Queimas das Fitas” como uma semana de festa, perfeitamente compreensível , defensável e, até, saudável (pesem as “tradicionais e imponentes bebedeiras”, que , no meu tempo, também se apanhavam, mesmo sem “Queima”).
Combati, activamente, julgo que em Junho de 1980, uma tentativa de se fazer a primeira “bênção das pastas” e “queima das fitas”, na Universidade, patrocinada pela Reitoria e por um (aí sim !)“grupo de alunos”, que então nos contestavam.
Fui um daqueles que, para contrastar com aqueles que vestiam a “farda de estudante”, fui á cerimónia envolto num lençol branco. Isto porque era um tempo onde o ressuscitar da dita tradição tinha um cunho claramente conservador e revanchista.
Portanto, não participei, de forma “politicamente correcta” na primeira “Queima das Fitas”, a não ser desse modo contestatário.
Hoje, ainda não me arrependi.

Termino saudando os Corpos Sociais da Academia que ajudei a fundar.
É o maior orgulho da minha vida tê-lo feito.
Há quase 35 anos…
Honra aos fundadores que já cá não estão : o Brito e o Pires, e outros, talvez"